Operação Rebu

terça-feira, novembro 28, 2006

Clínica de desintoxicação da vida moderna

Aquele era o dia escolhido para mudar sua vida. E ali estava, conforme previa, sentado em meio a desconhecidos, encarando o desconforto por abandonar a corrida rotina do dia-a-dia e encarar seus medos.

Após uma breve introdução do responsável que conduziria a sessão, três participantes previamente escolhidos levantaram-se para dar seus depoimentos. Pareciam pessoas serenas, das que levam vidas pacatas em pequenas cidades, sem preocuparem-se com as mudanças que ocorrem no mundo e que não lhes convém.

O primeiro relatou o fato de ter jogado o celular no lixo e o alívio que isso lhe tinha causado. Disse que, no dia seguinte, encontrou um amigo que não via há muito tempo e que tentou marcar um cinema:

- Como vamos nos encontrar no shopping se você não tem celular? Está louco?
- Da mesma maneira como as pessoas se encontravam nos shoppings antes dos celulares.

Risos entre os participantes, salvas de palmas seguidas de mais palmas até o final do discurso. Após um rápido intervalo, começou o depoimento de um jovem ao qual chamavam Colecionador:

- Vocês sabem que eu vejo na Internet um mundo de possibilidades. Já colecionei MP3, livros virtuais, fotos de mulher pelada, blogs, jogos que baixei da rede. Eu tinha um estoque com mais de vinte mil CDs gravados, praticamente uma enciclopédia do melhor e do pior que a humanidade já produziu. Vocês também sabem que eu consegui me desfazer desta coleção, arremessando CDs desde a janela do meu quarto, no décimo sétimo andar e que paguei caro por isso. Pois bem, agora tive uma recaída e sou colecionador de amigos no Orkut e...

Algum tempo depois, mal terminado o segundo depoimento, a terceira pessoa tomou o microfone e começou a falar enquanto o Colecionador ainda recebia seus aplausos:

- Eu também era como meu amigo, um colecionador de pessoas. Agora, estou há três dias sem entrar no Orkut e estou me sentindo muito sozinho. Deixei cerca de seiscentos amigos que recebiam minhas mensagens e que as repondiam com muito carinho. Vocês não imaginam, gente, como é horrível não saber se recebi um "oi" nos últimos três dias! Vocês entendem que eu preciso ver quem visitou o meu perfil para saber quem realmente gosta de mim? Eu preciso que me visitem, que me vejam, que saibam de mim!

Foram quinze minutos de palavras desesperadas e de lenços de papel para enxugar umas poucas lágrimas, seguidos de mais um intervalo. Foi quando o desespero e o suor frio ficaram estampados nas rugas da sua testa, enquanto o responsável pela reunião dizia que era a vez do "novo amigo" apresentar-se e contar um pouco dos seus problemas.

Começou por pedir desculpas, dizendo que tinha cometido um engano, que sentia muito por ter ouvido as histórias de todos sem poder contribuir com algo tão grandioso. Contou que era apenas um funcionário de uma multinacional que, como quase todos os funcionários de multinacionais, sentia um pouco de ansiedade ao enviar um e-mail sem receber resposta em poucos minutos, ou se não tivesse respostas instantâneas aos SMS que enviava. Disse que começou a sentir necessidade de terapia quando telefonava para alguém e, sem ser atendido no fixo ou no celular, ligava mais quatro ou cinco vezes seguidas para ter certeza de que ela não podia falar naquele momento.

Todos os participantes ficaram quietos. Foi como se uma tensão tivesse deixado o ar mais pesado até o momento que um choro rompeu o silêncio. Em poucos segundos, todos soluçavam em prantos e trocavam cotoveladas em busca de um espaço para abraçar-lhe e dar-lhe as boas vindas.

1 Comments:

  • Cara,

    Belo texto!

    Depois me passa o endereço dessa clínica.

    Sheik Luís
    (essa merda de comentário só entra como anonimo. O outro jeito dá pau)

    By Anonymous Anônimo, at 2:08 PM  

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